Programação Saudável

Toda e qualquer profissão tem os seus riscos associados. Uma frase tão simples como esta pode causar controvérsia junto dos menos informados. Senão vejamos; que risco pode correr um empregado de escritório, cuja rotina é estar sentado numa cadeira a teclar no seu computador pessoal? Bem, de facto, o risco imediato para a sua saúde é, pelo menos num país pacífico, reduzido, senão quase nulo. Ora, comparando com um militar destacado, ou um taxista, ou um segurança de discoteca, esse mesmo empregado de escritório tem um grau de risco no seu emprego fútil. Contudo, todo este risco é a curto prazo, no imediato. E a médio/longo prazo? Quem correrá mais riscos? Será o militar, que se exercita todos os dias e cumpre uma rotina activa, ou será o empregado de escritório, sempre sentado na mesma posição, a forçar os mesmos movimentos e a aguentar horas e horas a olhar para um monitor? E o que tem esta introdução que ver com uma revista de programação? Bem, o leitor verá, caso trabalhe, que, como programador, tem um estilo de vida profissional demasiado semelhante ao do mero empregado de escritório. Quiçá até, dada a freneticidade muitas vezes tida como eficiente, o programador sofrerá mais, a longo prazo, que o tal empregado. Mas porquê?

No dia-a-dia de um programador, são demasiadas as horas passadas à frente de um ecrã, a cansar os pulsos e os dedos, enquanto se está sentado, muitas vezes desconfortavelmente, numa cadeira pouco ergonómica. Daí, surgem as dores nas costas, que associamos à posição torta que assumimos durante as longas horas à frente do monitor. Depois vem o ardor nos olhos de quem esteve 3, 4, ou 5 horas sem arredar pé das linhas de código só porque “tinha uma coisa para acabar”. Por fim, desenvolvem-se várias patologias associadas intimamente à profissão e que vão destruir a carreira de qualquer programador caso não sejam prevenidas. E tudo isto, fora as dores de cabeça que tanto nos aflijem. Porém, há esperança! Apesar de, mais tarde ou mais cedo, o programador vir a sofrer de uma ou outra “lesão” típica, há rotinas que se podem adoptar para diminuir a probabilidade das mesmas acontecerem. Ao contrário do que pode parecer, pausas frequentes tornam mais produtiva a actividade do programador. Contudo, não é saudável profissionalmente ser-se hipocondríaco e abusar destas pausas em prol da saúde! Mas adiante, passemos a assuntos concretos.

RSI, ou Lesão por Esforço Repetitivo, é a denominação geral dada a todas as doenças que advêm de uma actividade regular e repetitiva, nomeadamente lesões do túnel carpal, do túnel ulnar e tendinites, e que são caracterizadas clinicamente pelo afectar de músculos, tendões e nervos das mãos, braços e costas por uma tensão excessivamente longa devido quer a uma má postura, quer a movimentos repetitivos. Exemplos de actividades que levam ao seu aparecimento são: uso do computador (profissionalmente claro), tocar guitarra e escrever (intensamente, como é óbvio). Porém, nem todas estas doenças são exclusivamente causadas por actividades como programar. A genética pessoal tem um papel importante na determinação da probabilidade de eu, ou o leitor vir a desenvolver uma destas maleitas. Contudo, o passo mais importante a tomar quanto a estas doenças é a prevenção, uma vez que, quando desenvolvidas, torna-se complicado o tratamento, sendo por vezes ineficaz de todo.

O que se pode então fazer para prevenir o aparecimento da RSI? Primeiro, há que olhar para a secretária e para a cadeira e pensar no que vamos precisar de comprar. Cadeiras de madeira ou cadeiras rijas são catalisadores de dores de costas. Uma cadeira ergonómica, de altura e inclinação reguláveis, de preferência almofadada, é um óptimo investimento. A título de exemplo, quando comecei o meu estágio, sentei-me numa cadeira e andei semanas com dores nas costas. Passado uns tempos, troquei fortuitamente de cadeira e em menos de três dias recuperei das dores. Quanto à secretária, há que olhar para ver alguns parâmetros que, à partida, parecem insignificantes: 1.Altura do monitor: o monitor não deve estar abaixo nem acima do nível dos olhos. Devemos olhar directamente em frente. O facto de estarmos horas a fio de pescoço baixo ou esticado para cima a mirar o ecrã leva a dolorosos torcicolos. Colocar um livro que não usamos regularmente, ou mesmo até a caixa da motherboard ou da gráfica a servir de suporte ao monitor, poupa-nos o pescoço a esforços desnecessários. 2.Luminosade e contraste do monitor: quantas vezes não temos a luminosidade do monitor nos 100 ou nos 90, e o contraste alto, porque assim “vê-se melhor”? Claro que se vê, mas também somos bombardeados com muito mais intensidade pelo monitor. É o mesmo que estar a ler com uma lâmpada incandescente normal, ou com um holofote. Há que encontrar um equilíbrio entre o não estar muito claro e o não ver nada! 3.Rato e teclado: A altura e a distância a que estes periféricos se devem encontrar são fulcrais para o bem-estar dos nossos pulsos e braços. Não ter o teclado demasiado longe, evitando esticar os braços, é boa jogada. Quanto a altura, deve estar de modo aos músculos dos braços estarem relaxados, caso contrário, chegam ao fim do dia como quem teve a levantar pesos de 20Kg, e não, não ganham mais músculo por isso. Para o rato, as recomendações são as mesmas. Não estar nem muito longe, nem muito perto, de modo a que possamos movimentar a setinha no ecrã sem andar a fazer malabarismos com o pulso. Um tapete com almofada pode também ajudar a quem depende do rato como da água, uma vez que o esforço causado aos tendões do pulso pode ser excessivo.

Estando a nossa área de trabalho devidamente equipada, ou pelo menos, nós devidamente conscientes de bons hábitos a tomar em relação à nossa postura, é altura de passar a conselhos mais genéricos, que devem ser seguidos não à linha, porque cada um tem o seu ritmo, mas de uma forma geral. Faça pausas. Beba água. Venha à entrada do edifício regularmente apanhar ar. Claro, vai perder horas de trabalho ao fim do mês, mas o ganho em saúde vai compensar as vezes em que se senta ao monitor e já lhe dói tudo, esvaindo-se a vontade de trabalhar. E como é que se vai lembrar de fazer uma pausa quando está entusiasmado a teclar as últimas 100 linhas de código do programa, ou a fazer os últimos ajustes à imagem no Photoshop para o tal site? Fácil. Há a opção física e a virtual. A física passa por comprar um relógio com alarme ou então uma maçã-contador, como as usadas na cozinha. Regular o tempo para 30-45 min e quando tocar, fazer uma pausa de 10. Virtualmente, podemos instalar algum software no computador que nos avisa de quando devemos fazer a pausa (exemplo disso é o Workrave). Alguns softwares levam até ao bloqueio do rato e do teclado enquanto não passar o tempo da pausa, por isso, em vez de refilar com o rato não dar, mais vale levantar-se e ir arejar. Porém, o que fazer durante as pausas? Olhar para o tecto não parece boa opção. Comece por arranjar um sítio onde haja água disponível. Caso não haja, leve uma garrafa para o escritório. Beber água durante o dia de trabalho, no mínimo um litro e meio, serve de muito para ajudar a limpar o organismo de todos os detritos resultantes do metabolismo. Caso não aprecie àgua, um chá serve igualmente. Agora, refrigerantes não ajudam em nada! Outra opção é andar. Vá dar um passeio até à entrada do edifício, apanhe ar, espreguice-se. Agora repita isso pelo menos cinco vezes em cada pausa. Lembre-se que as veias funcionam por válvulas e que é preciso a contracção muscular para que essas válvulas funcionem na perfeição. Ora, e como a contracção muscular se deve ao movimento (ou vice-versa), se não se mexer, acumulam-se fluidos nas pernas que levam, por exemplo, a tromboses (porque acha que no avião deve andar de um lado para o outro quando faz uma viagem longa?). Por fim, apanhar ar fresco e arejar a cabeça ajuda sempre à concentração.

Contudo, como tudo na vida, todas estas recomendações são genéricas e dependem de cada um para serem adaptadas e, como cada um é como é, e há pessoas mais propensas a determinadas doenças que outras. O melhor cuidado que se pode ter é fazer um check-up regular no médico de família. Peça-lhe também conselhos para melhorar a sua postura no emprego e verá que, seguindo-os, tal como seguindo alguns destes, terá um aumento na produtividade, que, apesar de contraditório, visto despender mais tempo fora do computador, tirará melhor proveito do que à frente dele passa.

Em última análise, se se sentir céptico em relação a todo este texto, só lhe resta uma opção: experimente. Mal não fará. Depois tire as suas próprias conclusões e partilhe com os seus colegas os resultados. Verá que mais tarde ou mais cedo, irá beneficiar de ter experimentado esta “tolice”.

Publicado na edição 12 (PDF) da Revista PROGRAMAR.